Quixadá. Prever o inverno se valendo apenas da observação dos fenômenos da natureza é uma proeza. Essa tem sido a marca de profetas e profetisas da chuva deste Município do Sertão Central do Estado, distante 170 km de Fortaleza. Em meio à seca que castiga o Ceará já há cinco anos seguidos, eles desafiam a ciência para descobrir se vai ou não chover apenas pelo crescimento de determinada planta até a forma como o vento chega no início da noite. Ontem, no Centro Cultural Rachel de Queiroz, alguns dos mais antigos profetas fizeram um balanço de suas previsões e falaram da expectativa do próximo encontro, marcado para no início do ano que vem.
O encontro foi organizado pela equipe que realiza a nona edição do Encanta Quixadá, evento que se encerrou ontem. Os profetas se reuniram no início da manhã em um café servido a amigos e estudiosos da cultura popular. Empolgados, eles falavam das previsões que já haviam feito em anos anteriores. “Esse pessoal da tecnologia só faz previsão para dizer se vai encher açude. Mas a gente faz previsão para dizer se vai ter pasto, se vai dar feijão, se vai encher o açude particular”, explica Josué Viana, 67, e participante do encontro há 12 anos. Ele rebate o posicionamento de cientistas de que o inverno foi ruim. “O inverno não foi ruim de todo, não. Deu pra aproveitar alguma coisa”.
Em 2017, o evento dos profetas da chuva chega a sua 21a edição. Nos últimos anos, não houve um consenso entre os profetas sobre os invernos que se seguiram. Muitos opinaram que o inverno seria bom, e acabaram tendo que aceitar em meio ao mato seco e a reservatórios em volume morto, que as previsões que fizeram não condiziam com a realidade. Ainda também é cedo para tentar dar a certeza de algo. Mas para alguns, já há o que se comemorar.
“Vamos ter um inverno bom para o ano”, é o que afirma Maria de Lourdes Lemos, 79. Ela garante ser a única mulher entre os profetas cearenses e diz que 2017 será um ano de terra molhada. Mas ela pondera: “Isso é apenas uma previsão, meu filho. Muita coisa pode mudar. Meu pai era um analfabeto, mas era muito sábio. Ele dizia que, quando chegasse o tempo em que o homem quisesse saber mais do que Deus, ele mudava os tempos”, pontua Lourdes.
A Fundação Cearense de Meteorologia (Funceme) só divulga o prognóstico das chuvas de fevereiro a maio no início de cada ano, mas a chegada do La Niña tem contribuído para deixar agricultores e a população ainda mais otimistas. O fenômeno é oposto ao El Niño: ao invés de provocar a seca pode contribuir para ocasionar chuvas. A Funceme chegou a dizer que ele poderia atuar em 2017. No entanto, atualmente, as chances são outras: o La Niña pode não ter o efeito que era esperado inicialmente.
José Erasmo Barreira, 69, afirma pesquisar árvores, aves, e até formigas e abelhas. E suas primeiras observações também lhe obrigam a discordar das previsões do órgão. “Eu só começo a fazer o trabalho mesmo em dezembro, depois que eu junto tudo. Mas já vi que o cumaru deu bom este ano, e isso é um sinal de inverno bom. E outra, meu filho: o Aracati, aquele ventinho da boquinha da noite, ta vindo mais forte também. Pode apostar que isso é sinal de inverno forte”.
Prévia
O encontro com os profetas foi apenas uma prévia. “A reunião foi feita para ouvir esses profetas e saber como a gente pode fazer um encontro melhor no ano que vem”, explica o produtor Adriano Sousa. O campus de Quixadá da Instituto Federal do Ceará (IFCE) vai continuar apoiando o evento. Este ano o IFCE também vai auxiliar no processo de inscrição de um dos profetas para concorrer ao título de Mestre da Cultura, titulação cedida pela Secretaria de Cultura do Estado (Secult). Caso um dos profetas quixadaenses seja aprovado, será a primeira vez que um deles integrará o time de representantes de atividades e iniciativas da cultura cearense reconhecidas.