O Brasil possui uma das maiores reservas de água doce do mundo, em torno de 12% de todo o montante disponível. Entretanto, isto não é suficiente para afirmar que não há escassez hídrica no país. A distribuição dos recursos hídricos é bem desigual nas diferentes regiões brasileiras, grande parte dos mananciais, aproximadamente 80%, se encontram localizados na região amazônica, onde reside somente 5% da população. Por isso, mesmo com grande potencial hídrico, o recurso é objeto de conflito em várias regiões do País. O uso da água no meio rural representa 57% da retirada dos cursos dágua e em se tratando de consumo este número passa para 83% (uso rural, irrigação e animal).
Diante desse cenário, a engenheira agrícola Janaina Paulino buscou, no programa de Pós-graduação em Irrigação e Drenagem, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), entender a percepção dos usuários da água no meio rural quanto a este recurso e como ocorre o seu uso. “Delimitar como o meio rural se relaciona com a água torna-se de extrema valia para se tomar qualquer iniciativa de gestão ou implementação de projetos de capacitação”, comenta a autora do trabalho, que teve orientação de Marcos Vinícius Folegatti, professor do Departamento de Engenharia de Biossistemas (LEB).
Com o título Diagnóstico do uso da água e necessidade de formação de capacidades no meio rural nas regiões administrativas do Brasil, a tese de Janaina está inserida no objetivo de dois grandes projetos, Diagnóstico de demanda e oferta por capacitação e extensão tecnológica em temas relacionados à gestão das águas, nos níveis técnico e superior para cada uma das 5 regiões administrativas do País (Edital MCT/CNPq/CT-HIDRI/ANA No 48/2008) e Estudo para o desenvolvimento da capacitação de usuários de recursos hídricos no meio rural (Processo FINEP 01.09.0260.00).
Ambos foram desenvolvidos por mais de dois anos, envolveram mais de 15 pesquisadores de diferentes áreas ligadas à gestão de recursos hídricos e tiveram a coordenação do professor Folegatti e coordenação técnica do pesquisador Rodrigo Máximo Sánchez-Román. “Os dois projetos se completam e, em um âmbito geral, levantaram informações sobre dos usos da água no meio rural; diagnosticaram a demanda e a oferta de capacitação e extensão tecnológica para a gestão dos recursos hídricos nos níveis técnico e superior; determinaram o formato para o funcionamento de uma rede de capacitação e extensão tecnológica, a Rede Yara; além de propor um série de materiais didáticos para capacitadores e para usuários da água”, explica a engenheira agrícola.
Trabalho de campo
Sobre a sua pesquisa, Janaina contou com uma equipe técnica de profissionais de diversas áreas de atuação, com mais de 13 colaboradores, que trabalharam por mais de dois anos no planejamento, obtenção e sistematização de dados e elaboração de relatório.
De início, foi realizado o levantamento dos potenciais locais e instituições que seriam aptos a responder de maneira expressiva as questões sobre a utilização do recurso hídrico na região. A partir de dados do IBGE, foram levantados os municípios que mais utilizavam água no setor rural, contemplando informações de uso da água na produção vegetal e na produção animal.
Assim sendo, recorreram-se às tabelas que apresentavam informações sobre estabelecimentos agropecuários com uso de diferentes métodos de irrigação e diferentes explorações animais. Na irrigação, a análise foi feita incluindo todos os métodos apresentados pelo IBGE, ou seja, inundação, sulcos, aspersão (pivô central), aspersão (outros métodos), localizada e outros métodos de irrigação e/ou molhação.
No que tange à produção animal, cinco explorações diferentes foram consideradas: gado de corte em pasto, gado de corte confinado, gado de leite, aves e suínos. Para que a distribuição fosse de forma equitativa nas regiões, foram selecionados os quatro municípios mais expressivos em cada método de irrigação (área irrigada) e em cada exploração animal (cabeças) de cada região, totalizando 180 municípios em todo o país. Em termos de região administrativa, foram selecionados 31 na região Norte, 35 na região Sudeste, 37 na região Centro-Oeste, 38 na região Nordeste e 39 na região Sul.
Após a seleção dos municípios, foram mapeadas as instituições ligadas ao uso da água. “Focamos nos representantes de instituições governamentais e não governamentais. Por parte de instituições governamentais, foram levantados os contatos das prefeituras municipais (secretarias), órgãos de assistência técnica e extensão rural. Das não governamentais, foram contatadas cooperativas, associações, sindicatos e outras que lidam diretamente com o produtor rural, totalizando 357 instituições”, explica Janaina.
Ao mesmo tempo, fora elaborado um questionário de pesquisa, dividido em cinco partes, delimitando dados pessoais do colaborador e da entidade, dados da região de atuação da entidade, onde levantou-se informações referentes a comitês de bacias, política públicas de conservação, legislação, crédito rural, cobrança pelo uso da água entre outros. Na terceira parte apresentou questões referentes à qualidade, uso, fontes de água, disputa pela água e situação atual e passada dos recursos hídricos.
A quarta parte tratou da produção vegetal e abordou culturas produzidas, métodos de irrigação e manejo de água e solo. Por fim, a quinta parte trouxe questões sobre o uso e reuso da água e relação agrotóxicos/uso da água/produção animal.
“Com o retorno dos questionários, os dados foram analisados e interpretados de maneira integrada e também por região administrativa, tentando ao máximo buscar a percepção do produtor e/ou extensionista quanto ao entendimento do recurso água, sua importância e seus usos”. Um evento nacional, denominado Uso sustentável da água no meio rural — uma proposta pedagógica foi organizado no LEB/Esalq para apresentar e discutir os resultados que, posteriormente, foram apresentados de maneira presencial, em algumas das instituições que participaram do workshop, nas cinco regiões administrativas.
“Na prática, a pesquisa mostrou que os usuários da água no setor rural já estão percebendo alteração na disponibilidade hídrica das fontes e que as disputas pelo uso da água vêm aumentando ao longo do tempo, ocorrendo principalmente entre o próprio setor agrícola”, afirma Janaina. O estudo mostra que essa percepção revela uma demanda por materiais que visem formar capacidades nos usuários e nos trabalhadores das instituições de extensão rural. “Os serviços de extensão e transferência de tecnologia rural no Brasil não estão funcionando da maneira que deveriam ou em alguns casos são inexistentes”, continua.
Entre as regiões, a região Norte foi a que apresentou maior carência de ações voltadas à gestão dos recursos hídricos. A maior atividade usuária da água é a irrigação e muitos avanços devem ocorrer neste setor. Os usuários precisam de suporte técnico e poucos são os profissionais atuantes e preparados para atender tais demandas. Mesmo existindo relatos de iniciativas sobre o reuso da água em algumas regiões, como a Sul, por exemplo, verifica-se que há carência de ações visando este assunto.
“O País precisa destes serviços para conseguir ter uma política de desenvolvimento no meio rural que coloque ou mantenha-o nos níveis adequados para enfrentar o mundo globalizado; e o papel da educação ambiental no processo de formação de capacidades na gestão dos recursos hídricos é primordial, pois só através dela é possível, em longo prazo, romper a herança cultural de que a água é um recurso abundante, renovável e ilimitado”, conclui.
FONTE
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
Assessoria de Comunicação da Esalq
Caio Rodrigo Albuquerque – Jornalista
Telefone: (19) 3447-8613
http://www.agrosoft.org.br/agropag/221221.htm