São inegáveis os avanços nos recursos hídricos no Ceará, com estudos de seca, construção de 153 grandes açudes, acumulado 18 bilhões de m³ de água, 318 km de canais, 300 km de adutoras, perenização de 81 rios, 30 mil poços, 300 mil cisternas, além da alta competitividade da agricultura irrigada, e da reconhecida liderança da Cogerh em gestão hídrica.

Apesar disso, chega outro ciclo de secas e o Ceará encontra-se sem a água suficiente para beber, irrigar, e indústria. Vários governos já criaram projetos para acabar com a rota do carro-pipa, e o velho pipa continua sendo a esperança de água das donas de casa no campo e cidades. Os perímetros irrigados estão reduzindo as irrigações, com queda no emprego e da renda no Interior. O mais grave é a queda de confiança de o produtor investir em irrigação com a insegurança hídrica.

Onde devemos melhorar? No planejamento, na gestão efetiva das águas, ou não implantamos as estruturas necessárias? O certo é que o consumo cresceu mais do que a oferta, agravado nesta estiagem. Na última seca, de 1979 a 1983, tínhamos uns 20 mil hectares irrigados e hoje temos 100 mil, além da demanda crescente dos outros setores. Precisamos melhorar muito para não sermos pegos no contrapé, em outro ciclo de seca que sempre virá no Ceará. Se não houvesse o desperdício de água, ainda praticado nas cidades e no campo, hoje, em torno de 35%, esta crise hídrica seria bem menor.

Os fatos apontam que os gestores dos recursos hídricos do Nordeste precisam voltar à escola e estudar mais, principalmente essa correlação entre a oferta de água, sempre irregular, com o crescimento contínuo da demanda. A gestão hídrica, que hoje prioriza mais as ações na oferta, precisa ter um viés acentuado em relação à demanda, por cadeia produtiva, em função dos interesses socioeconômicos que a sociedade queira desenvolver. Não é só construir açudes e canais (imprescindíveis), esperar a chuva e depois distribuir a água porcentualmente.

Precisa criar e operacionalizar, sob a orientação da ANA, um fundo financeiro para compensar usuários que suspenderem a irrigação, por exemplo, além de uma modelagem do mercado de água, pois, com esse aumento da demanda, algum setor vai ficar sem água. A prioridade da água sempre será o consumo humano, hoje, utilizando 26%, enquanto o consumo animal gira em torno de 3% da água distribuída no Ceará. A irrigação usa 58% e a indústria, 13%.

Nesta seca, mesmo faltando água para beber e produzir, muita gente varre calçadas com água potável, agricultores com irrigações ineficientes, e a Cagece com os vazamentos recorrentes, todos sem punição. Na irrigação, a instalação de hidrômetros e outorga para medição do consumo é insignificante. Um absurdo!

Julgo que os gestores das água no Ceará precisam mudar o “chip” do sistema atual, e eles têm competência para otimizar essa gestão, mas precisam ter humildade para reconhecer essa necessidade. Nós, consumidores, temos a obrigação de fazer o uso racional da água e a principal ação é evitar o desperdício em casa e no trabalho. Não precisa de professor, cartilhas ou desculpas.

Dizem que nas crises surgem as soluções. Sem terceirizar a culpa e cada um fazendo sua parte, compartilhando os saberes, poderemos encontrar soluções eficazes.

Atenção! Em 2016 deverá ter mais uma seca no Nordeste. Aí, a crise de água vai chegar a todos, do sertão à beira-mar.

Francisco Zuza de Oliveira
zuza.cegmail.com
Engenheiro agrônomo

http://www.opovo.com.br/app/opovo/dom/2015/09/05/noticiasjornaldom,3500171/artigo-reflexoes-sobre-gestao-de-recursos-hidricos-no-ceara.shtml

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