Fortaleza, localizada no semiárido brasileiro, caminha para o quarto ano de seca – mas tem água garantida para a população até 2016

RENATA VIEIRA

São Paulo e Ceará foram, no início dos anos 90, os dois primeiros estados brasileiros a criar leis para orientar a gestão da água. Essas experiências mais tarde inspiraram a Política Nacional de Recursos Hídricos, legislação federal que entrou em vigor em 1997. Mais de duas décadas depois, paulistas e cearenses encontram-se em situações diferentes. O centro econômico do Brasil corre atrás de medidas emergenciais para lidar com a seca que se estende desde 2013. Caso não chova o suficiente, a água armazenada no Sistema Cantareira — que abastece mais de 6 milhões de pessoas na capital paulista — acaba em poucos meses. Enquanto isso, Fortaleza, já no quarto ano de seca, ainda tem como dar conta do abastecimento urbano até o fim de 2016, mesmo que as chuvas permaneçam abaixo da média nos próximos dois anos. “Nossa capacidade de resistir não é ilimitada, mas conseguimos aguentar mais tempo sem racionamento porque nosso modelo de gestão da água permite que nos antecipemos às crises”, diz Francisco Teixeira, secretário de Recursos Hídricos do Ceará.

A margem de segurança cearense se deve, essencialmente, ao fato de que por lá a lei foi aplicada. Um exemplo é a cobrança pelas outorgas para exploração de poços artesianos e captação em rios e represas. Em 1996, o Ceará foi o primeiro estado a implantar esse tipo de cobrança. Segundo a Agência Nacional de Águas, desde então foram arrecadados 407 milhões de reais pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh).

Hoje, o valor varia de 1 centavo a 1,5 real por metro cúbico de água captada, a depender do cliente. Quem paga menos são os agricultores que a usam para irrigação. Quem paga mais são as indústrias e as companhias de saneamento. Já em São Paulo, a cobrança só foi instituída em 2007. Desde então a arrecadação chegou a 170 milhões de reais, com o preço máximo de 2 centavos por metro cúbico. “Os recursos arrecadados são fundamentais para o investimento na infraestrutura”, diz Rosa Garjulli, consultora em gestão dos recursos hídricos.

Além de cobrar pelas outorgas, a Cogerh é o órgão responsável pelo segundo pilar no qual se sustenta a política de gestão de água no Ceará. Seus técnicos fazem um acompanhamento mensal das chuvas e do volume dos reservatórios. Esses dados servem de base para planejar o abastecimento num período de até dois anos. Criada em 1994 após uma das piores secas já enfrentadas pelo Ceará, a companhia decide, com os comitês de bacias hidrográficas, a quantia de água a ser repartida entre os diversos usuários. Num estudo publicado pelo Banco Mundial no fim de 2013, a Cogerh foi considerada uma das instituições mais avançadas em gestão da água no Brasil.

Não é difícil entender por que, pelo menos na região metropolitana de Fortaleza, a gestão da água tenha sido tratada como prioridade. “A premissa no Nordeste, sobretudo no Ceará, é que o ano seguinte será sempre de seca”, afirma Rosa. Em outras palavras, qualquer um que more ou mantenha negócios no Ceará estará sempre sujeito a enfrentar um período de estiagem — e arcar com os prejuízos decorrentes da escassez de água. Esse é um risco constante para a fabricante de sucos Jandaia, de Pacajus, a 50 quilômetros de Fortaleza. A empresa não se livrou dos problemas causados pela seca nas plantações de onde saem os frutos que abastecem suas linhas de produção — mas pelo menos não faltou água na fábrica. “Nos últimos três anos, tivemos as piores safras da década”, diz Luiz Eduardo Figueiredo, diretor comercial da Jandaia. “Apesar disso, há água suficiente na cidade e nossas fábricas não sofrem com as torneiras secas.” Além da garantia de água nos reservatórios por parte do governo, a segurança se deve à gestão da água na própria fábrica. De 2011 para cá, a Jandaia conseguiu reduzir de 4,5 para 3,1 o número de litros de água usados por litro de suco envasado.

A situação não é tão boa em todo o Ceará — vários municípios do interior estão em completa secura. Em 2015, a chance de não chover o suficiente para encher os reservatórios cearenses é estimada em 64%. Fortaleza já se prepara para diminuir o consumo em 10%, antes que o abastecimento dos próximos dois anos fique comprometido. Apesar dos avanços, as falhas na coleta e no tratamento de esgoto ainda preocupam. De acordo com o Instituto Trata Brasil, apenas 35% do esgoto é tratado, e o índice de perdas de água na distribuição da Cagece — companhia mista de saneamento que atende 150 municípios cearenses — chega a 38%. São problemas semelhantes aos que afligem as concessionárias do restante do país. Mas o que já foi feito faz de Fortaleza um oásis no deserto.

Revista Exame – edição de 18/02/2015

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